quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

O nascimento do Ser

Nasceu agora há pouco.

Com 57 quilos.

1 metro e 65.

Bastante cabelo.

Não chorou, sorriu. Mas estranhou…


A luz na sua cara não foi o problema.

Quem brilhava era o sol.

Depois choveu. Pra lavar e fazer florescer.


Nasceu sentado no chão.

Saiu de dentro de si mesma.

Pariu a ela própria em uma tarde dessas de verão.

Viu o sangue escorrer pelas pernas.

Sentiu cada uma das contrações.

Verteu lágrimas dos olhos.

E acolheu carinhosamente no peito o fruto que nascia do amor.


Amor que resgatou nas profundezas das suas entranhas.

Encontrado durante a jornada interior pelo vai-e-vem de suas emoções.

Sentia mesmo saudades dele…


Vez ou outra ele apitava em seu ouvido.

Pedindo para que ela corresse na chuva.

Andasse com as pernas para cima.

Cantasse no meio da rua.

E ela, tímida, nem sempre obedecia.


Outra voz estava sempre a falar mais alto…

A da descrença!

Que duvidava de tudo.

Da vida.

Da própria alma.

Não sou capaz! Gritava em todas as oportunidades.


Ah vá! Faça-me o favor!


E agora que gestou a si dentro do próprio útero.

E pariu sua imagem e semelhança.

E sentiu por meses a fio toda a força da criação.

Desconfiou da dúvida e pôs ordem na mente.

Psiu!

Não acredito mais nas mentiras que me conta!


Arrebatou-se de uma energia quente.

E outra fria.

E outra que fazia cócegas, molhava e fazia girar.

Assim. Tudo junto!


E sorria.

Morria.

Nascia.

Vivia.


Deu seus primeiros passos zonza.

Andou assim, assim.

Caiu.

Riu.

Levantou como deu.

Foi que foi engatinhando.

Sem pressa de chegar.

E sem ter que chegar a parte alguma.

A ordem era só seguir.

Fluir.

Voar.

Virar folha em tarde de outono.


Sentiu o cheiro da vida.

Viu as cores da alegria.

Provou o gosto da própria consciência.

Desperta.

Renascida.

Inteira.

Podia ser ela mesma.

Novinha em folha.

E agora, de verdade.

O vislumbre do ego

Pegou todas as suas partes.

Como brinquedo Lego.

Como quebra-cabeça.

Que todos os pedaços montados construíam um inteiro.

Uma imagem.

Um reflexo.

Uma sombra.

Um personagem.

Antes fosse moldado no barro.

Que vinha da terra.

E ganhava forma com água.

Mas a história era outra…


Aliás, nem era.

Era só história…

Pra boi dormir.

A família aplaudir.

Um punhado de crenças.

Que criavam desejos.

Fortaleciam apegos.

Davam força ao sofrimento, que doía o coração, cada vez que ouvia um não.


Eu quero! Eu quero! Eu quero!


Ser linda.

Bem-sucedida.

Mãe de família.

Carreira notável.

Chefe do bando.

Quem não gosta do poder?

Quem não gosta de ter controle?


Mas o véu caiu.

E o vento levou.

Encheu de areia seus olhos.

Nem viu pra onde foi.

Só foi.

Não sobrou pano pra manga.

Nem pra saia.

Nem pra blusa.

Sobrou pele e corpo.

Poros, pêlos e suor.

E um arrepio na alma.

En-sur-de-ce-dor!

Mas arrepio faz barulho?


Tanto quanto um grito sincero faz arrepiar...


Deu de ombros.


Não antes de tentar esconder a nudez.

Os quilos extras.

As curvas pouco acentuadas.

A cor sem sol.


Oras! Tudo beleza, não percebes?

Desde quando uma rosa usa vestido? Um beija-flor põe salto alto?


Mas se não sou a crença que cria ser, sou eu o que?